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Do Robin Williams e da sua saída inglória

12.8.14


É um dos preços mais cruéis de envelhecermos: as nossas referências culturais vão sendo eliminadas. Umas mais cedo do que outras, é verdade, mas à medida que os anos avançam na sua marcha imperdoável, também as figuras que nos foram familiares durante décadas vão desaparecendo. A má notícia? É que nunca são substituídas. Nós deixamo-nos disso. Deixamos de nos apaixonar por artistas, ou porque achamos que já não temos idade para essas coisas, ou porque achamos que os novos não são tão bons como "aqueles de antigamente". E cá vamos continuando a nossa vidinha, um bocadinho mais cinzentos, um bocadinho mais descrentes.

O Robin Williams morreu hoje. Vou evitar a todo o custo os clichés de que mitos não morrem e que ele viverá pelos seus filmes. De há uns tempos para cá, parecia mal dizer que gostávamos dele. Seja porque ele começou a fazer filmes de merda como Noite no Museu ou porque já há algum tempo que não tinha um filme aclamado pela crítica, raramente ouvia alguém dizer que o Robin Williams era o seu actor favorito. No entanto, ele protagonizou uma míriade de filmes que fazem parte do imaginário, do passado e da formação pessoal de cada um de nós. Falo por mim. Eu quis ser médica porque o Patch Adams me comoveu profundamente; durante anos a fio, odiei a Sally Field, porque ela era a mulher má que o abandonou no Mrs. Doubtfire (Papá para Sempre); o Clube dos Poetas Mortos ajudou-me a ser uma adolescente um bocadinho melhor, mais fiel aos meus ideais e àquilo em que acreditava; o Bom dia, Vietname foi um filme que me deu a conhecer o James Brown e o Vietname, antes que alguém me tivesse explicado o que essas coisas eram.

Eis o que mais me custa: o Robin Williams não teve uma morte digna. Ou melhor, não teve uma morte que dignificasse a sua vida e tudo aquilo que representou para a maioria de nós. O Robin Williams deveria ter morrido aos 96 anos, na sua casa, durante o sono. Na estante do escritório dele iriam estar mais uma ou duas estatuetas de Óscares. E eu estaria com os meus filhos e com os meus netos a ver o Telejornal e, ao ouvirmos a notícia da sua morte, eu explicava-lhes quem era este senhor e como ele tinha sido importante durante a minha vida. Depois eu iria fazer pipocas e faríamos uma maratona de filmes durante todo o fim-de-semana, para que a família inteira ficasse a par do talento deste homem.

Por isso, hoje é um dia muito triste para mim. Triste porque continuamos num mundo sem ele. E triste, sobretudo por saber que um homem que teve vocação de fazer os outros rir, não teve vocação para ser feliz.

4 comentários:

  1. Há pessoas assim, especiais, mas que não conseguem ser felizes.
    Descobri hoje este blog. GOSTO!

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    1. Olá! Muito obrigada pelo teu comentário. Volta muitas vezes :)

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  2. Penso que de todos os depoimentos que já li (e foram muitos), Rafa, foi do seu que sem qualquer dúvida gostei mais.
    Estou sinceramente convencido de que o Robin Williams teria ficado muito comovido.

    Obrigado.

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    Respostas
    1. João, muito obrigada pelo seu comentário. Escrevi este pequeno texto - ou depoimento, a palavra bonita que utilizou - num momento de extrema comoção...e saiu directamente cá das entranhas. Fico muito contente por ter gostado. Deixo-lhe um abraço.

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