menu-topo

Balanço do Jogo

19.12.10
Eu queria. A sério que queria saber fazer algo extraordinariamente bem.

Comecei um curso de Escrita Criativa, na esperança que me pudesse trazer inspiração, ajudar a desenvolver um novo estilo de escrita ou simplesmente a desobstruir o meu cérebro de hábitos cíclicos, que pensam sempre no mesmo tipo de coisas. Ingenuidade a minha: há lá pessoas com um jeito extraordinário para aquilo que, quando lêem os textos que escrevem, é uma chicotada no meu (pequeno) ego. O curso não tem uma natureza didáctica, ninguém me diz se aquilo que escrevo é bom ou mau e por isso sinto que não evoluo.
1 - 0 - ganham eles.

Licenciei-me em Tradução.
Sempre tive alguma queda para as línguas e para escrevinhar (já nem digo "escrever", notaram?) e lá fui eu para Leiria, a quase 500 km da terra que me viu nascer e crescer, para estudar. Os meus pais nunca concordaram com esta escolha, porque não sabiam que "era preciso um curso para se ser tradutor". Felizmente, provei-lhes que estavam enganados. No segundo ano do curso, depois de ter feito uma apresentação na cadeira de Cultura I sobre a Globalização, numa sala com 80 pessoas, a professora chama-me no final da aula e diz-me:
-A Rafaela é uma comunicadora nata. Não pode passar a sua vida sem falar em público. Poucas pessoas têm a sua descontracção e à-vontade. É tudo o que lhe digo.
Absorvi aquilo e dois dias depois liguei para o meu pai a dizer que queria desistir do curso e que queria mudar para Jornalismo e ir para Lisboa. Ao que ele respondeu: "Se desistires, estás por tua conta e risco. Terás de te sustentar sozinha e tratar tudo sozinha. Tens de saber assumir as tuas escolhas e responsabilidades". Eu tinha 17 anos quando fui para Leiria. Que responsabilidade se tem aos 17 anos? Engoli em seco e disse-lhe com o rabo entre as pernas: acabo este curso.
Acabei por ser das 5 pessoas (em 80, que entraram no meu ano) a terminar o curso nos 5 anos previstos. E sou das poucas entre as várias centenas de licenciados em Tradução que trabalha activamente na área. 
Gosto de línguas, de tradução, de palavras, de comunicação, mas como ser freelancer em Portugal é um tiro no escuro, tenho-me visto sempre forçada a ter empregos "de dia" noutras áreas para poder subsistir. Até agora tive 3 trabalhos: na área de web marketing, depois na área de mobile marketing e agora numa empresa de tradução como Project Manager. Sou tradutora freelancer em part-time, pelo que trabalho à noite, aos fins-de-semana e nas férias, quando todos os outros se divertem. Sei que a Tradução e as línguas serão o meu futuro eventualmente, mas até lá trabalho o dobro de uma pessoa normal.
2 - 0 - ganham eles.

Eu canto bem. Sim, nasci no meio da música e tudo me é natural. O meu pai é cantor e desde tenra idade foi a música que me deu de comer. Nunca me deixou participar em concursos de talentos e sempre me incentivou a "estudar primeiro, porque isso era o mais importante". Tenho uma voz bonita que se aprimorou ao longo dos tempos. Se antes eu só gostava de berrar Whitney Houston até a uma extensão vocal que não possuía, com o passar do tempo fui percebendo que sou contralto e que serei muito mais depressa um clone de uma Diana Krall do que o clone de uma Mariah Carey. No entanto, não o faço a nível profissional nem nunca procurei desenvolver o meu talento, pelo que serve apenas para animar uma noite com os amigos e cantar uma bela canção acústica aos ouvidos de um namorado, numa noite de romantismo puro.
3 - 0 - ganham eles.

Sou uma pessoa com alguma graça. Faço rir os meus amigos, digo muita parvoíce junta com algumas boas piadas. Tenho jeito para animar ambientes e sei que a minha personalidade algo excêntrica é uma mais-valia junto do meu grupo de amigos e até mesmo de desconhecidos.
Mas, apesar de um currículo social extenso em animar pessoas e tornar os outros mais bem-dispostos e leves, ainda não aprendi a tornar-me mais feliz quando sou eu que estou a ter um dia mau.
4 - 0 - ganham eles.

E é isto que eu queria dizer. Trata-se de apenas uma enumeração de estados de espírito. Não tenho uma conclusão brilhante para este post.

13 comentários:

  1. gostei de ler o teu balanço do jogo.
    ai a tradução, quem me dera ter seguido outro caminho, não por não gostar, mas pelas saídas profissionais...

    ResponderEliminar
  2. Lembro-me quando eu queria desistir da psicologia e ir para jornalismo. Os meus pais perguntaram "porquê?!"
    Pronto, acabou por aí. :-(

    ResponderEliminar
  3. Uma espécie de paráfrase:
    Licenciei-me em tradução mas não consigo trabalhar como tradutora. O emprego que me paga as contas é de assistente administrativa.
    1-0 ganham eles

    E podia continuar até ao 10-0 :)

    Os dias maus são lixados. Tenho muitos e ainda não arranjei solução para eles. Mas há que ter esperança.

    ResponderEliminar
  4. Ainda assim, pareces estar em paz com as escolhas que fizeste. Sempre sonhei ser repórter de guerra, viajar pelo mundo, trabalhar numa rádio. Ou então ser polícia. No meio disto tudo, acabei por encontrar a profissão dos meus sonhos, depois de ter sido voluntária durante um ano numa Universidade Sénior. Ás vezes penso, e fico triste, numa vida alternativa que me passou ao lado. Mas nada como o equilíbrio. E isso, tu tens.

    ResponderEliminar
  5. PS: e ainda hoje falo em ti na Escola, e todos se lembram com saudade da Rafaela.

    ResponderEliminar
  6. E pelos vistos , hoje o estado de espírito não está no seu melhor, parece-me a mim. Já pensaste que possivelmente 99% das pessoas que tu conheces nem sequem chegam ao 1-0? Já sei que com o mal dos outros podemos nós bem, mas como podes julgar-te assim? Quem disse que quando tu abres a boca na aula de Escrita Criativa não há outras pessoas que ficam deslumbradas? Ou quando cantas? E quem disse que o facto de teres conseguido terminar entre o tal grupo de 5 pessoas não quer dizer alguma coisa? Não é um facto para comemorar? (Eu sei que é porque também estava lá e por acaso é das poucas coisas de que me orgulho.) Como podes falar assim das tuas capacidades vocais? Alguma vez te empenhaste a sério, assim mesmo a sério, na música? Eu tenho a certeza que não seria preciso correr meio mundo para chegares a um lugar de destaque no mundo da música. Se seria a sucessora ou o clone da Diana Krall, da Maria Callas ou da Sara Tavares, sinceramente não sei. Acredito sim, que viriam "clonezinhos" da Rafaela Mota Lemos depois.
    Agora, para conclusão, diz-me lá, não tenho razão?

    ResponderEliminar
  7. Acho que te compreendo. Ficam sempre pedaços de nós pelo caminho por causa das nossas escolhas, da responsabilidade que nos é imputada. Hoje olho para trás e percebi que deitei imenso potencial fora ao procurar a dita "vida normal". Mas acho que nunca é tarde para começares a vencer tu...

    ResponderEliminar
  8. @ Pinkk, de facto a tradução é uma área muito hermética, pelo que é necessária persistência, talento e sorte, como em tudo. Há de facto muito pouca gente do meu curso a trabalhar na área. Beijinho e obrigada pela visita;

    @Jo Ann, espero que não te tenhas arrependido da tua (não) escolha.

    @Isabel, noto tristeza nas tuas palavras. Já experimentaste fazer mais alguma especialização na área da tradução? Às vezes uma pós-graduação ou um curso extra pode ser a motivação que te falta para ires tentando entrar na área. Boa sorte.

    @Sãozinha, imagino-te sim como repórter de guerra. Vejo-te como um espírito aventureiro. :)
    Obrigada pelo elogio, mas infelizmente não sou uma pessoa particularmente serena. Ando sempre sempre à procura do próximo desafio, à espera do next step. E isso nunca me permite estar quieta a contemplar o que obtive até aqui.
    A sério que na Escola há gente que se lembra de mim? Fiquei com a ideia que já lá não está ninguém que eu conhecesse...:)

    @amiga Tina, estou boquiaberta com o teu comentário e acredita que me proporcionou sorrisos durante o dia inteiro de ontem. Eu sei que no geral tu tens-me em boa conta...e agradeço-te por isso. No entanto, isto foi um balanço assim de coisas que tenho percebido em mim. E pronto, se calhar não tenho muito de me queixar. A minha estrelinha ainda está por aqui. Beijo.

    ResponderEliminar
  9. Ainda me arrependo, e muito!

    ResponderEliminar
  10. Tu és exraordinária na tua totalidade Rafa! Quem te conhece e tem esse privilégio sabe à partida que mais dia menos dia serás tudo (TUDO) o que tu quiseres ser! As escolhas da tua vida só a ti te dizem respeito e pena neste "balanço" nao contares com a coragem que tiveste em viveres noutros paises e tantas vezes mudares completamente o rumo à tua vida! 5 a 0, ganhas TU!
    Beijinho! Te adoro

    ResponderEliminar
  11. Parece-me que estás a ser demasiado exigente contigo, Rafaela. Até que ponto o "saber fazer algo extraordinariamente bem" te faria mais feliz do que fazer bem tantas coisas?
    Eu também costumo ser exigente, mas, recentemente, comecei a pensar que a excelência anda a ser sobrevalorizada.

    ResponderEliminar
  12. @Sílvia, já te respondi por sms ao teu comentário, que muito agradeço. Fico feliz por saber que, apesar do meu mau feitio às vezes, tu gostas de mim assim.:)

    @Descalça, tens razão, acredito mesmo que sim. Mas estou em época de balanço e pronto, foi o que me saiu.

    ResponderEliminar
  13. Rafa,onde esta o balanco? 4-0? vais deixar-te ficar assim? balanco requer que seja 4-4 (dai a palavra balanco)... fico a espera do post.

    beijinhos e FELIZ NATAL

    ResponderEliminar

AddThis