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Eis a verdadeira Gente da Luta

14.3.11
Manifestação Geração à Rasca - pelo talentoso Tiago Cruz Cação


Gosto das pessoas que vão à luta.
Gosto das pessoas que ficam 3 anos a trabalhar em cafés e lojas antes de irem para a universidade para não sobrecarregarem os pais com 4 ou 5 anos de estudos. Gosto das pessoas que trabalham desde jovens, mas aos 30 anos decidem que merecem mais do que isso, recusam-se a cair no marasmo intelectual, inscrevem-se num curso e acabam por ser das poucas que o terminam dentro do tempo previsto. Gosto das pessoas acabam um curso de Engenharia e, até encontrarem emprego, vão para as obras trabalhar, porque para além do cérebro têm bons braços para carregar baldes de cimento. Gosto das pessoas que arriscam e aventuram-se a fazer Erasmus num país onde nunca estiveram. Gosto das pessoas que sonham alto e que dão passos reais para seguir os seus sonhos. Ou então, vá, chamemos "objectivos", porque quem sonha é estúpido, mas quem tem objectivos é ambicioso. Gosto das pessoas audazes que querem fazer tudo e mais alguma coisa. Mesmo que só consigam fazer 50% daquilo a que inicialmente se propuseram, continua a ser incrivelmente mais do que aqueles que não querem fazer nada. Gosto das pessoas que se levantam às 6 da manhã para ir trabalhar e regressam às 23h30 a casa, porque foram para a escola de noite. Gosto das pessoas que aos 50 anos se sentem embaraçados por ter apenas o 8º ano (pois aos 14 anos tiveram de ir trabalhar para se poderem sustentar) e inscrevem-se no Curso de Reconhecimento e Validação de Competências. E descobrem ali que, afinal de contas, até são brilhantes. Gosto das pessoas que não conseguiram estudar, pois o apelo de um trabalho numa loja de artesanato era mais apelativo do que dependerem dos pais mais alguns anos, mas chegadas a adultas, sentadas no sofá da sala, respondem de olhos fechados a todas as perguntas nos concursos de televisão onde vão exclusivamente os licenciados, os mestres, os doutores dos nossos dias. Gosto das pessoas que saem do país que as viu nascer para ir para o estrangeiro trabalhar, pois não encontravam nada decente por cá, de acordo com os seus padrões. Gosto das pessoas que deixam namorado, mãe, pai, irmã e vão atrás de um trabalho onde são reconhecidas. Gosto das pessoas que regressam após alguns anos, dispostas a aplicar os conhecimentos aprendidos fora, qual estrangeirado dos tempos do Iluminismo. E dispostas a aprender mais. Gosto das pessoas que saem da zona de conforto: estudaram línguas, sim, mas encontraram trabalho num banco e ali ficaram porque afinal até têm jeito para atendimento ao público e para lidar com burocracias. E quem diz bancos, diz bares, jornais, escolas primárias ou lares de idosos. O que importa é arregaçar as mangas e não ficar à espera que os milagres aconteçam.
Todos estes exemplos que acabei de enumerar são reais e são pessoas que pertencem à minha vida. Todas elas são de gerações diferentes, nas quais as circunstâncias não eram, nem por sombras, melhores do que as actuais. E nenhuma destas pessoas foi à manifestação da Geração à Rasca. Porque no sábado estavam de mangas arregaçadas, sim. Mas a trabalhar. 
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17 comentários:

  1. Conseguiste exprimir tudo o que penso. A única coisa válida nesta manifestação era a luta contra os falsos recibos verdes. Fora isso, era oca.

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  2. Rafa: havia ali muita gente que, como eu, não estava a trabalhar, mas que dá o litro 12 a 14h por dia durante a semana, feriados é esquecê-los e cobre as férias que tira com dias de trabalho extra, porque, apesar de descontar forte e feio para a SS, não tem direito a tirar férias.

    O país não foi certamente menos produtivo neste sábado.
    Será que podemos dizer o mesmo da malta de tira pontes a torto e a direito, que mete baixas por dá cá aquela palha e que tem tolerância quando vem cá o Papa ou a cimeira do G8?

    A manifestação de sábado apenas reclama contra a incapacidade de taxar e exigir de uma minoria os mesmos sacrifícios que se exigem à já sobretaxada e depauperada massa de trabalhadores a recibos e contratos a termo. Mais nada.

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  3. Pois olha, eu trabalhei muito, sempre trabalhei. Já pinguei muito suor e já chorei muito por atender pessoas estúpidas, mas paguei os meus estudos.
    Agora trabalho a recibos verdes e não foi tanto contra isso que saí à rua no sábado, pois os recibos estão inexoravelmente ligados ao freelancer.
    Saí à rua porque me compadeço com todas as pessoas competentes que são forçadas a aceitar trabalhos dignos, mas muito inferiores àquilo que merecem. Compadeço-me com jovens e cinquentões que querem trabalhar, mas uns não têm experiência e outros são velhos demais. Compadeço-me com os idosos a quem as reformas estão a ser escandalosamente roubadas. Compadeço-me com as pessoas que querem ficar junto dos seus amados, porque nem toda a gente tem de ter o espírito de aventura, e são forçados a partir. Compadeço-me com todos os jovens que querem começar uma família, mas não têm condições para o fazer. Compadeço-me com a nossa geração, sim, porque por estes mesmos motivos, não teremos direito a uma velhice digna, com direito a reforma. Compadeço-me com o futuro medonho das crianças de agora, que terão ainda mais milhões para pagar do que nós. Compadeço-me com todo este país à beira da bancarrota, porque um punhado de multimilionários fraudulentos assim o deixou e nenhum deles foi levado à justiça.
    Não me compadeço, mas entristeço-me com as pessoas que vêem naquela linda manifestação de poder do povo, um direito nosso, pelo quais os meus pais lutaram, uma pimbalhice vazia de significado.

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  4. Rafa: penso que conheço duas ou três pessoas das que mencionaste :-) e sim, concordo, são (bons) exemplos de Gente da Luta. Não terão comparecido à manifestação, é certo, mas continuam a ser Gente da Luta. Não chego ao extremo da Sãozinha que quase considera a manifestação oca de razões. Acho que é importante termos a possibilidade de nos manifestarmos, de lutarmos pelo que consideramos correcto e justo e sei que existem muitas situações de injustiça que roçaram, muitas vezes, a exploração a que as pessoas se sujeitam por desespero. E sim é muito válida a contestação contra os falsos recibos verdes e contra as leis e ideias (muitas vezes, rocambolescas) de todos os governos. Afinal, vivemos em democracia e existe liberdade de expressão. Mas, não menos importante, é também questionar o que podemos fazer por nós, sem esperar que ninguém (pais ou Governo) o faça.

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  5. ADOREI o texto!! Tanto q te linkei! Pimbas! ADOREI, boa Rafa, mto boa. beijos

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  6. @Sãozinha, muito obrigada. Eu acho que no geral havia muitos pontos a roçar o ridículo. Cá em Lisboa, havia estudantes com cartazes a dizerem que não queriam pagar propinas nem as senhas da cantina. Estamos a brincar??

    @Rachelet, não me passa pela cabeça dizer que os que estavam na manifestações são calões ou que não gostam de trabalhar. Mas infelizmente esta manifestação acabou por se tornar um pretexto para todos se queixarem de tudo. O que tira a força ao mote inicial da questão. É um bocado como termos uma folha de texto e, com um marcador amarelo fluorescente, sublinharmos todas as frases. Sublinhando tudo nada fica realçado, certo? Acho que esta foi a metáfora desta manifestação.

    @Helena, gostei do teu comentário. Obrigada. No entanto, não o entendo como uma crítica ao que escrevi. Aqui fiz uma homenagem a pessoas que eu conheço pessoalmente e que me dizem alguma coisa. Não digo que são melhores do que as outras, mas que lutam mais do que a maior parte das pessoas que eu conheço. Mas falo do meu micro-cosmos, daquilo que observo e sei.
    Não vejo a manifestação como uma pimbalhice, mas gostava de ter a certeza que a maior parte das pessoas que lá esteve fez de tudo para mudar a situação precária em que se encontra. Beijo!

    @Tina, tu és uma das pessoas mencionadas no meu singelo texto. Concordo com o que dizes.

    @Andorinha, que honra. Obrigada.

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  7. Rafa: a imagem da folha onde se sublinharam todas as frases está muito bem conseguida.

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  8. O primeiro post que escreveste no blog do qual eu não gostei e não concordo!
    Eu também gosto dessas pessoas todas, os meus pais são uns dos que mencionaste... Mas não chega.
    É na rua que se fazem revoluções, que se muda e que se reclama pelo que não está justo, pelo que todos os dias se ouve em conversas chatas de cafés! Foi na rua que várias classes conseguiram vingar os seus direitos e se nós passamos o ano inteiro a ouvir falar da crise por todo o lado concordo a 100% que seja na rua que tenhamos de gritar, manifestar e aparecer... ainda que para alguns seja desprovida de sentidos é em manifestações com 200 mil pessoas que se mostra a força da nação... E rafa nunca vais ter a certeza se todas essas pessoas fizeram alguma coisa de util para sair da situação onde estão mas duma coisa podes ter a certeza, todas eleas se deram ao trabalho de se importar, de marcar presença e dizer "eu estou aqui, oiçam-me!"
    Se não trabalharam durante essas horas não sei, mas sei que valeu a pena! ;)

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  9. Sílvia, não temos de concordar em tudo. De qualquer forma, não é meu objectivo criticar as pessoas que foram à marcha pedinte...ai perdão, manifestação. É meu objectivo sim ilustrar que há muita gente que não foi e que luta a sério.
    Ninguém tem de concordar, mas acho que está um texto bem escrito. :)
    Beijinho.

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  10. Uma manifestação ignorada, foi o que foi. Não teve conteúdo concreto, também não vai gerar consequências concretas. Movimentos cívicos, a sério? Num país onde nem às Assembleias Municipais se vai? Onde existe uma elevadíssima taxa de abstenção, o que faz com que as pessoas ignorem o seu direito à maior fórmula de manifestação cívica? Uma manifestação que deu origem a um pseudo-forum no Facebook onde se apela ao voto em branco e onde se pede que o Estado pague uma indemnização àqueles que acham que foram enganados por terem tirado um qualquer curso da treta? Estou solidária com os falsos recibos verdes, volto a dizer. O resto, nem sei no que consiste. Uma vez também fui a uma manifestação de estudantes, mas foi só para ver como era. E gostei, achei divertido. Conteúdo: zero. Sinto-me igual, agora.

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  11. Se isto fosse o facebook clicava no "gosto" :)

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  12. Acho que tens razão em tudo o que dizes, eu também gosto dessas pessoas e são essas pessoas, as corajosas e interventivas, que fazem um país avançar. Mas a minha visão da manifestação foi mesmo de um país. Um país que nada ganha em ter fuga de cérebros para o estrangeiro, subaproveitamento de mão-de-obra qualificada encontrando-se esta a trabalhar em cafés e lojas - e atenção, não é trabalho menos digno, mas dada a formação técnica, é um desperdício para o país -, etc. , etc..

    Os tempos mudaram e as necessidades também. Sim, na minha opinião hoje estamos muito menos dispostos a aceitar certas coisas, apesar de tudo. Há pais de muitos de nós que construíram a casa com o próprio suor, que se sujeitaram a passar fome para criar filhos. Mas a evolução permite-nos querer mais e ver tudo por outras perspectivas. E não significa, na minha opinião, que sejamos preguiçosos, acomodados, menos heróis. Não podemos comparar nem generalizar.

    Devemos lutar por um país melhor, para cada um de nós e para o conjunto. E hoje temos mais armas para aproveitar. Não será legítimo querermos isso sem sermos tratados como um bando de putos mimados que não faz sacrifícios? Nós somos o futuro, nós e os nossos filhos. E este país precisa de nós para ser melhor. E nós precisamos da classe política e das suas medidas para poder contribuir para esse futuro. Se virmos as questões assim, talvez não vejamos apenas vitimização mas uma vontade de fazer mais e melhor, sem que nos cortem as pernas.

    É assim que eu penso :) Mais uma vez, um beijinho.

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  13. @Ana, obrigada pelo comentário. Tens razão naquilo que dizes, sem dúvida nenhuma. Cabe-nos o direito e dever de manifestar o desagrado contra o estado das coisas.contudo, e espero mesmo estar enganada, parece-me que a manifestação de sábado é um pouco como uma oração a um Deus em que se acredita pouco:sentimo-nos bem ao fazê-la, mas ficamos sem resposta aos nossos pedidos. Mas olha, pode ser que não. Espero que não.

    Obrigada pelo excelente input. ;)

    Beijinho!

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  14. Rafa,
    sou licenciada em tradução, mas não tendo encontrado nessa área trabalho suficiente para ganhar a vida, tive que "me virar". Trabalho na secretaria de uma escola, ganho mal, mas pelo menos trabalho e consigo sustentar-me, o que já não é mau. Digo-te que odeio o meu trabalho, odeio mesmo, mas enquanto não encontrar nada melhor não vou ficar em casa à espera que me caiam do céu maravilhosos trabalhos de tradução. Mas conheço muita gente que tem essa atitude e esses não perderam a manif, agora se lhes disseres para irem trabalhar nem que seja num supermercado, aí o empenho já não é tanto.
    Bjs

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  15. Este texto merece uma ovação. Mais palavras para quê?

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  16. @Isabel, sei que não é fácil arranjar trabalho na nossa área. Neste mercado é preciso bater às portas o mais possível, levar nãos, mandar 100 CVs para que um possa ser aceite. E enquanto não se faz experiência na área para que a possamos vender também não nos dá trabalho. É verdadeiramente difícil, tanto que poucos são aqueles da ESTG que trabalham em tradução técnica (entrar na área da legendagem acaba por ser um pouco mais fácil, ainda não percebi bem porquê). No entanto, tens bom espírito, esse de não ficar quieta. Um abraço e boa sorte.

    @Bichinho, muito obrigada pelo comentário. Não me iludo, este post deixou-me um travo amargo na boca, mais do que qualquer elogio que daqui possa advir. Obrigada pela empatia. Um abraço.

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  17. * Bichinha, desculpa-me: errei no género. :)

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