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Quanto de mim ainda sobra cá dentro?

17.7.14

Houve aquele dia em que o meu pai foi a uma consulta com um tarólogo. Não era um tarólogo qualquer, era um amigo dele, que entretanto decidiu dedicar-se ao seu dom e conseguiu convencer o meu pai, no seu cepticismo natural de homem-racional-que-tenta-resolver-os-seus-próprios-problemas-sozinho, a ouvir o que ele tinha a dizer. Eu tinha 21 anos (foi, tipo, ontem) e estava quase a acabar a faculdade. Entre outras coisas, o tarólogo disse-lhe que eu ia viajar muito (na altura rimo-nos porque eu nunca tinha ido sequer a Badajoz) e que eu não iria acumular riqueza, mas que sabia viver muito bem. Na altura fiquei agradada com o vaticínio de que não é preciso ser rico para ser feliz e que viver bem já era uma coisa a atirar para o simpático.
Os anos passaram e aqui estou eu, a morar numa das cidades mais estupidamente bonitas do mundo, só porque me apetece. Podia, de facto, estar a viver bem. 
Estou no mercado laboral há 8 anos, já tive vários empregos, andei demasiados anos a conciliar a tradução com o emprego que tinha durante o dia, a fazer das 4 horas diárias de sono um hábito. Mas, mesmo nessa vida acelerada, eu conseguia manter o equilíbrio, conseguia sentar-me na cama, ao final da noite, e perguntar-me a mim própria: "Quanto de mim ainda sobra cá dentro?"
Por algum motivo, desde que me tornei freelancer, esse equilíbrio foi-se. Estou sempre a mil e parece que não avanço. Trabalho que me desunho e não acumulo riqueza. O trabalho controla a minha vida e tudo passa para segundo plano. E lá vou eu, andando e assobiando para o ar como se nada fosse. Fiu, fiuuu.
Hoje à noite entro em férias, mas tenho de levar o computador para terminar um último projecto até domingo. Não estou contente, não estou aliviada, não estou entusiasmada. Porque se me perguntasse agora "Quanto de mim ainda sobra cá dentro?", a resposta ia ser "Nada". Sou só cabelos e um cinzento andante. Mas vou tratar do assunto.

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