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Buraco

10.7.14

São cinco meses de Brasil, cinco meses sem um porto de abrigo, cinco meses num limbo geográfico-emocional em que não pertenço integralmente ao lugar em que me encontro, nem pertenço ao lugar do qual parti. É estranho e engraçado. É estranho e libertador. É estranho e triste.
Em Outubro, quando comprei o meu bilhete para o Rio de Janeiro, tinha em mim toda a ingenuidade do mundo. Ah e tal, vou fazer isto e isto, depois quando voltar está tudo bem e tudo na mesma. Só que não. As vidas continuam, com ou sem mim, e fui forçada aprendi a reposicionar-me no mundo. Num mundo em que sou imprescindível para algumas pessoas e dispensável para outras.

Nunca pensei que alguns míseros meses fora (sim, porque na realidade é do que se trata, de uns míseros 5 meses que separam o dia em que fui embora, ainda que com uma data de regresso presente, do dia em que regressarei e este período temporal, na cronologia de uma vida, é realmente irrisório) fossem alterar tão profundamente a minha vida afectiva. Perdi uma amiga, sabem? Não aconteceu de uma forma dramática: não a apanhei na cama com o meu namorado, não andámos a fazer lavagem de roupa em praça pública, não houve nenhum escândalo ou desrespeito de maior. Simplesmente, apercebemo-nos que, com o passar do tempo, deixámos de estar do lado uma da outra. Deixámos de partilhar momentos felizes uma com a outra, deixámos de saber o que se passava, a um nível mais profundo, com a outra, deixámos de ter tempo para nos vermos e deixámos, essencialmente, de comunicar. E se, quando uma coisa destas acontece no seio de um casal, eles continuam a fingir que nada se passa por um bem maior, pela harmonia da família, pelo medo de estarem sozinhos, numa amizade torna-se mais difícil empurrar para debaixo do tapete. E, de acordo com a coragem de cada um, há duas opções: ou abordamos a situação no momento em que sentimos isso, ou esperamos até que a barriga da rã encha e rebente na nossa cara com um chorrilho de insultos e de discursos amargos. E, infelizmente, foi a última que aconteceu. Tentei lidar com isto com a maior graciosidade possível, respondendo da melhor forma que consegui, mas nunca obtive resposta. Mas toda a gente sabe que uma não-resposta é uma resposta, não é?

Depois de (demasiadas) semanas a pensar na morte da bezerra, a fustigar-me mentalmente, a reflectir no que poderia ter feito melhor, a sentir-me sufocada com a perspectiva de ter deixado de ter esta pessoa na minha vida, comecei hoje o meu luto. Uma amizade é bonita enquanto nos sentirmos felizes e sortudos por aquela pessoa, no meio de 7 mil milhões, ter escolhido fazer parte da nossa vida. Uma amizade é bonita quando nos ajuda a crescer enquanto gente, apontando-nos o dedo com amor e dizendo-nos que esse não é o caminho. Uma amizade é bonita quando sabemos que, mesmo quando escorregamos, vai sempre existir um abraço. 

Terminar uma amizade aos trinta anos não é fácil. Conforta-me saber que partilhamos um passado longo e bonito. E a esperança de que, quando se abre um espaço tão grande no nosso coração, é porque algo igualmente grande está prontinho para entrar. Ou não, porque já não tenho idade para ilusões.


6 comentários:

  1. Rafaela,
    Ando há demasiados dias a pensar se comento ou não, e a pensar nas amizades que também já não o são...
    Terminar uma amizade nunca é fácil. Os trinta e o Brasil podem talvez ajudar-te a distanciar e a fazer o luto.
    Creio que nestas coisas da amizade, não há receitas, é essa a beleza e por vezes o motivo de dor. O que um diz não é o que o outro ouve ou lê.
    Mesmo não te conhecendo, imagino pelo que vou lendo, que o Brasil te tem trazido pessoas bonitas.
    Bom caminho divergente. Até já*

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    1. Querida Lúcia, muito obrigada pelo teu comentário bonito e sincero. Escrever este post foi, antes de mais, um exercício pessoal e catártico, pelo que é sempre interessante ouvir perspectivas alheias. Vou regressar a Portugal daqui a três semanas (se bem que parto logo de seguida para o segundo destino do meu projecto), pelo que espero que o processo de luto continue, mesmo estando eu mais perto. Acho que o que é importante nisto tudo é sermos sinceros connosco (e com o outro): não se pode manter uma amizade com base única e exclusivamente num passado em comum.
      Continuo a ter amigos muito bons, felizmente, que me compensam - de alguma forma - esta perda. E olha, no Brasil fiz uma grande amiga, provavelmente para a vida. Em cinco meses não é nada mal, né? :)
      Um grande beijinho *

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  2. Há muita beleza nos finais. São sempre, sempre MESMO, um começo à espera de... começar nada é definitivo, e às vezes é preciso sair para entrar, parar para recomeçar. 5 meses em vida de cão é muito tempo. Quem sabe para algumas pessoas é assim!

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  3. Revejo-me nas tuas palavras. Quando fui para a Alemanha acabei por ir perdendo o contacto com os amigos da faculdade. Não sei se foram eles, se fui eu, às tantas percebemos todos que não fazíamos falta na vida uns dos outros. Depois lá ganhei outros amigos, especialmente uma grande amiga portuguesa que ficou quando voltei para Portugal. Um ano depois já tínhamos perdido o contacto. Ela com a a vida dela, eu com a minha, não foi culpa de ninguém, mas juro que me fez falta. Ainda faz, ainda penso nela, como estará, onde estará. Depois penso em escrever-lhe, mas será que, tantos anos depois, faz mesmo sentido?
    Beijinho

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  4. Querida Rafa, não é só a distância que traz este tipo de perdas. As vidas divergem, os objectivos também, os interesses mais ainda, e quando dás por ela, há :
    - pessoas que sairam da tua vida do dia a dia, mas que vão ser tuas amigas até morrer
    - pessoas que sairam da tua vida do dia a dia, mas que também não fazem muita falta, são amigas do momento, fazem o papel delas, contribuem pra algo naquele momento, e depois desaparecem, e tu nem lhes sentes a falta
    - pessoas que sempre fizeram parte do nosso mundo, mas que ou porque casaram, ou porque tiveram filhos, ou porque emigraram e desapareceram, se afastam de nós e nós... deixamos ir, sem mágoa, sem penas.
    Enfim, eu tenho perdido algumas ultimamente, mas honestamente, por mto q me custe inicialmente, depois de arrebentar o sapo e de passar a raiva, a melhor coisa é mesmo a distância pra deixar passar.
    Se possível tento não lhes ficar com raiva pese embora a desilusao.
    Pa, a vida avança e honestamente têm sido mais as surpresas positivas que as negativas. O meu regresso a Lisboa pauta-se por uma profusão de amigos que mostram todos os dias que tinham saudades minhas e que me enchem o coração.
    Boa sorte boneca ;)

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  5. Rafa, já experienciei este luto. A dor era tanta que eu tinha ímpetos em procurar o amigo e pedir-lhe pelo amor à Deus, que as coisas voltassem ao que era. Contive o ímpeto, e pus-me a me imputar as culpas. Passados meses, desapeguei de vez. Ou pelo menos, é assim que quero pensar.

    bjs

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