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O fenómeno Slow Travel

24.8.14

Lençóis Maranhenses, Julho de 2014. Um dos paraísos do Brasil.

O desenvolvimento das companhias low-cost provocou uma grande revolução à vida dos europeus. Antigamente - e quando eu digo antigamente, não é há tanto tempo assim, mas essencialmente anos 90 e inícios da década de 2000 - quando alguém dizia que tinha ido a Londres ou Paris, exclamávamos um "Uau!". Nem todos podiam viajar e estávamos numa altura do mundo em que viajar era, realmente, uma actividade típica de uma classe privilegiada.
Poucos anos depois, a Ryanair e a Easyjet monopolizaram as viagens low-cost da Europa, trazendo novos conceitos e pequenas maravilhas como as "escapadelas de fim-de-semana" e as "mini-férias". Por exemplo, aproximou Itália de Portugal. Para nós, portugueses, ir a Roma ou Milão era um luxo, algo digno de admiração, mas os italianos nunca tinham ouvido falar de Portugal, quando, na realidade, estamos a uns ridículos 2500 km de distância. Eu sou do tempo (e esse tempo foi em 2006), em que quando eu dizia em plena cidade de Milão que era portuguesa, as pessoas gritavam entusiasmadas "Ah, Barcelona, que lindo o teu país". Isto aconteceu-me demasiadas vezes para ser considerado uma coincidência/ignorância casual.

Quem tem uns trocos e gosta de viajar, facilmente já teve a oportunidade de viajar até 5 ou 10 cidades europeias de topo. Conto-vos o que aconteceu comigo (e que é uma coisa triste de admitir): à medida que ia viajando, ia encontrando pontos semelhantes (demasiados) nas várias cidades europeias. Ao ponto de achar que era mais do mesmo. Claro que me divertia, acabei por ir muitas vezes a destinos repetidos (Londres, Nice, Nápoles, Roma, Paris, Barcelona), claro que via sempre coisas novas e diferentes. Mas muito sinceramente, uma viagem deixou de constituir uma emoção transcedental para mim, algo pelo qual eu esperasse ou sonhasse um ano inteiro. Tal como sou capaz de ficar uma semana a pensar no domingo, quando finalmente poderei comer um kalulu feito pela minha avó, mas não sonho com um hamburguer do McDonalds. A isto que nós, europeus, fazemos chama-se fast travel. Aquilo que eu estou a fazer com o meu projecto Home is where I am chama-se slow travel

Os viajantes ou turistas que praticam o slow travel escolhem viver o processo de viagem de uma forma mais tranquila. Não existem listas de pontos a visitar que devem ser verificados rigorosamente de três em três horas, não há obsessão com os guias da Lonely Planet, não há esta coisa de voltar para casa mais cansado do que quando se partiu. Os slow travellers, por ficarem mais tempo nos destinos que escolhem (atenção, podem ser apenas uma ou duas semanas), criam uma ligação à cidade onde estão. Estabelecem uma empatia com as rotinas que vão adquirindo. Ficam o tempo suficiente para reconhecer o rosto da pessoa que mora na porta do lado do apartamento que arrendaram ou para eleger um café preferido ao qual começam a ir todos os dias. O slow traveller provavelmente até se inscreve numa escola para tirar um curso de gastronomia ou de um idioma, estabelece um contacto real com os locais e não fica na redoma, onde a maior parte de nós quando viaja num fim-de-semana, fica enfiado. É bom viajar, seja em que termos for, mas melhor ainda é sentir que começamos a pertencer a um lugar, até então, estranho.

Estive no Rio de Janeiro seis meses. Não fiz tudo o que o Lonely Planet me disse que seria bom fazer. Não fui a todos os museus que gostaria de ter ido, não fui ver um jogo no Maracanã, não fui passar um fim-de-semana em Paraty, não fui a um ensaio de uma escola de samba. Mas nadei vezes sem conta no mar agitado de Ipanema, andei de bicicleta no calçadão, bebi cerveja e suco de melancia todos os dias, fiz amigos, gravei um videoclipe, conheci o Djavan, passei tardes na Livraria Travessa a escrever, fui ver um concerto do Jorge Ben (um dos melhores concertos da minha vida), comi feijão preto todos os dias, sambei com os cariocas, vi a Copa do Mundo de perto e sempre que viajava para outras cidades no Brasil, dizia sempre à boca cheia: "Não sou turista não, eu moro no Rio de Janeiro".

Já estou cá há três semanas, mas não sinto que regressei definitivamente do Rio. Parece que a qualquer momento vou voltar e só estou em Lisboa a passar uns dias. E a coisa bonita do slow travel é mesmo essa: a certeza de que os lugares do mundo que escolhemos como casa passam a ser nossos para sempre. E que é sempre positivo quando temos a oportunidade de tornar este mundo todo um bocadinho mais íntimo.

2 comentários:

  1. No meu primeiro dia do 10º ano na Escola Secundária da Cidade Universitária, quando saia do metro li na parede: "Não sou Ateniense nem Grego, mas sim um cidadão do mundo." Sócrates. Durante 3 anos da minha vida li isto todos os dias. E a cada dia senti a frase mais minha a ponto de deixar de ver o nome "Sócrates" e passar a ver "Petra".
    Mais do que uma slow traveler ou nómada digital, tu és uma cidadã do mundo. E, meu bem, isso não é nada fácil. Mas sabendo de antemão que as coisas fáceis têm pouca graça, digo-te antes assim: São poucos os que nascem com esta benção Socrática, mas os que a têm são abraçados pelo mundo até à alma.
    Força neste projeto!

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  2. Por enquanto, ainda só pratiquei a fast travel e faço parte da população a que te referes, conheço somente a europa e parte das suas grandes capitais. Espero um dia provar a slow travel e sentir na pele essa sensação de pertencer a um lugar estranho, até lá, delicio-me com as tuas palavras.
    Um beijinho, Mary.

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