menu-topo

Ser contemporânea do Tim Maia. Ou a razão pela qual gostava de ter nascido no Brasil.

16.9.14


Os seis meses que passei no Rio de Janeiro contribuíram para uma pequena revolução dentro de mim: a adaptação a um novo contexto (tão mais diferente de Lisboa do que se possa pensar), o gradual processo de criação de intimidade com a cidade, o desenvolvimento de uma vida social e a sorte de surgirem algumas amizades, a aprendizagem diária de hábitos culturais (saborear uma paçoquinha à tarde, comer feijão preto em todas as refeições, beber cerveja sem grandes pesos na consciência, dar um pulo na praia antes de ir para o escritório). A imersão no Brasil era de tal forma total que não raras vezes me passava pela cabeça "gostava de ter nascido aqui". E pensar isto não implica desprimor pelo meu país ou pelas minhas raízes. Implica, sim, um amor tão grande pela cidade e cultura que me acolheu durante metade deste ano.

A música sempre ocupou um lugar fundamental na minha vida. Tendo um pai músico, cresci no meio de cordas de guitarra, discos de vinil e de boa música. Ainda assim, quando fui para o Brasil conhecia muito pouco acerca do Tim Maia. Umas 3 ou 4 canções, talvez. O Tim Maia não é um cantor de massas em Portugal - é um cantor de nicho, um cantor apreciado pelos hipsters e intelectualóides. No Brasil, o Tim Maia era um rei do povo. Apesar de ter feito muito sucesso com clássicos da música romântica, o Tim Maia pôs o Brasil a dançar desde os anos 70 até aos anos 90. Foi a grande voz do soul e do (verdadeiro) funk brasileiro e não fica ABSOLUTAMENTE NADA a dever a grandes vozes negras mundiais como o Otis Redding, Barry White ou Marvin Gaye.

Para além do Lucio Battisti (cantor italiano que morreu em 1998, aos 55 anos, precisamente com a mesma idade e no mesmo ano do que o Tim Maia), nunca ouvi falar de nenhum músico que reunisse tanto consenso: toda a gente, de qualquer classe social e de qualquer gosto musical, no Brasil lhe reconhece o talento, carisma e genialidade. Continua vivo. Houve um musical sobre a sua vida, de muito sucesso e que esteve anos em cena, houve reedições de discos, é comum ver concertos de músicos actuais brasileiros, em que estes cantam uma ou duas músicas do Tim. 

Depois de ouvir muitos álbuns, de ver muitos concertos online, de ler tudo o que havia para ler sobre o Tim, ganhei uma profunda admiração por esta figura de talento e que congregava tanto ódio e amor. Conhecido por ser um homem polémico, adepto da má vida, ter mau feitio para dar e vender, Tim Maia deixa um país inteiro de luto ao sentir-se mal num dos seus concertos. Toda a gente tem alguma coisa a dizer sobre ele, toda a gente tem uma história com alguma (ou várias) das suas músicas. No próximo mês estreia no Brasil o filme sobre a vida do Tim Maia. Não vou conseguir dormir enquanto não o vir. Com ele, aprendi o verdadeiro significado do conceito de referência cultural. E sinto-me sempre um bocadinho mais carioca quando estou a ouvir a sua música.

1 comentário:

AddThis