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O que é que a Sílvia tem?

19.5.10

Ela podia ser a Celeste do Jardim. Ou a Emília do Sítio. Arrisco mesmo a afirmar que se o Tim Burton não tivesse escolhido a Mia Wahwydgfsijddkohsyentkwska, a minha amiga Sílvia podia ter sido uma Alice fabulosa. Aqueles cabelos aloirados, ondulados e os olhos verdes dão-lhe um toque etéreo. Como se não pertencesse a este planeta. Aliás, cheguei a questionar-me se realmente era humana quando soube que falava com animais e que eles a entendiam perfeitamente. E uma pessoa que fala com animais definitivamente não é uma pessoa qualquer.

Morámos juntas durante 2 anos numa Leiria estudantil. Cidade que já não reconheço de cada vez que lá vou. O hino "Leiria é nossa, Leiria é nossa, Leiria é nossa e há-de ser, Leiria é nossa e há-de ser, Leiria é nossa até morrer" (cantar com a melodia de "When the Saints Go Marchin In") já não se aplica a nós. Agora há outros caloiros, outros estudantes a fazer história na cidade onde o Padre Amaro cometeu os seus crimes.

Quando passo pela nossa casa fabulosa na Marquês de Pombal, com o meu quarto pentagonal do 7º andar (o melhor quarto do mundo), penso na cerimónia solene que foi a transmissão da propriedade à Sílvia quando eu parti para o Brasil. Eu acabara a minha vida estudantil, ela ficava ainda mais um ano. Não sei como foi viver naquela casa sem mim, mas quando lhe pergunto ela responde com um simples "Foi estranho".

Muito vivemos naquele apartamento. Peguei-lhe a paixão pela Oprah Winfrey, quando ainda ninguém sabia quem ela era, fazia-lhe saladas "daquelas mesmo boas", zangava-me com ela para que levasse o lixo e corrigia-lhe a concordância dos verbos, pois "em Coruche falava-se assim". Ela amuava, mas agia com ternura e trazia-me filmes do Clube de Vídeo, naqueles tempos em que havia um em cada esquina. 

Ríamos muito uma com a outra. Eu ensinava-lhe a cantar canções difíceis. Um dia, espetei-lhe com a letra de Nowhere Fast e com o instrumental e disse-lhe que íamos aprender a cantar aquilo. Estamos a falar de uma música com 12 estrofes de letra, meus amigos. E ela foi louca em concordar, ficando a cantar até às 2 da manhã comigo, até o nosso vizinho do lado bater na parede. A sério, quem é que não percebe que cantar a altos berros de madrugada é a coisa mais divertida que se pode fazer??!

Com ela sempre consegui extravasar os limites do socialmente aceitável e sempre disse tudo o que me apetecia, sem medo de censura ou de ofensa. Aquele tipo de não-cerimónia que só se tem com irmãos. E visto que nenhuma de nós tem irmãos, acabávamos por sermos filhas únicas....juntas. 
Ela era mais nova e menos experiente mas sempre vi na pessoa dela a aprovação que me tranquilizava.
E fazia-me rir tanto, com todo aquele talento que ela tem e mal sabe: tem este dom de imitar pessoas e reproduzir sotaques e caras. Não tem vergonha de brincar: isso é comovente numa pessoa adulta.

Atrás daquele aspecto de menina de 16 anos, esconde-se uma mulher generosa e uma sedutora quase dissimulada. Conquistou um dos rapazes mais machos e mais cobiçados da nossa universidade, hoje seu namorado,  mas é e continuará a ser a minha menina.

Acompanhámos os namoros uma da outra, ela gozava comigo por eu tratar mal um dos meu ex-namorados, chegando mesmo a fazer representações dignas de cena no Maria Matos, apoiávamo-nos nas desilusões como acontece com todos os amigos. Mas sempre houve algo mais entre nós as duas: a admiração mútua. Ela admira os passos que tomo, as viagens que faço, os riscos que assumo. Eu admiro-lhe a grandeza de espírito, a paciência e a frescura. É das pessoas mais puras que conheço. É a pessoa mais pura que conheço. 
E ser amiga dela faz-me ter fé nas pessoas.

Não nos vemos muito, nem sabemos todos os pormenores da vida uma da outra. Mas de cada vez que estamos juntas, não existe estranheza nem desconforto. Só aquela serenidade confiante de saber que a outra jogará sempre na nossa equipa.

7 comentários:

  1. Que texto bonito. A Sílvia tem também um sorriso fabuloso.

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  2. Eu sempre achei que falava demais… Digo o que penso, o que não penso, o que os outros pensam e até o que me sai descompensadamente!! Sou uma faladora nata, gosto de uma boa conversa e se tiver gargalhadas à mistura tanto melhor porque aí estou na minha praia.
    Sempre achei que tinha resposta para quase tudo, sou refilona desde o 1º dia de vida e não há nada que eu deixe passar no saco sem deitar cá pra fora (o boneco da tmn comigo não se safava!). Naturalmente que não sou uma delambida, tenho os meus limites, todos os dias aprendo a controlá-los e até há situações em que me conseguem deixar sem jeito e sem saber o que dizer… Mas hoje… hoje foi demais!! Hoje é que foi!! Ora esta pessoa ficou meia hora – meia hora - agarrada a um telemóvel, depois a um email, sem fazer a mais pequena ideia do que dizer perante algo que lhe haviam dirigido! As palavras banalizam-se tanto que por vezes um obrigada parece muito pouco quando vai sozinho numa página em branco e acompanhado apenas por um “smile”.
    Se estivesse contigo podia dar-te um abraço enorme, dizer um monte de coisas sem jeito ou sentido, agradecer-te com um OBRIGADA bem pronunciado e um sorriso de bochechas vermelhas mesmo daqueles verdadeiros. Agora assim, apenas me posso justificar com o facto de HOJE ser dos poucos dias em que alguém me deixa sem palavras e em que acho que tenho mais do que mereço!
    Adoro-te Rafa :)

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  3. Bem, veio-me a lagrimita ao olho com a tua resposta. Mais uma vez, foi melhor do que pensas que foi. :)
    Um obrigada também a ti. Nunca to tinha dito como deve ser, mas sim, és uma VIP na minha vida.

    Beijinho!

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  4. Gosto da parte do namorado...o que nós lhe aturámos na altura em que ele andava doido de amores! Muito bom...

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  5. É verdade Sãozinha, não me lembrava que conhecias a "peça". Fico feliz por teres gostado também.

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  6. Há uns anos eu ainda não tinha cabo e a Oprah tinha aparecido em Portugal. Assim que chegava a casa do meu namorado, abancava no sofá e devorava a Oprah. Ele mudava o canal. A relação já não existe. Quem me tira a Oprah, tira-me tudo :-)

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  7. muito bonito, até me veio uma lágrima ao olho (se contarem eu nego)

    "Conquistou um dos rapazes mais machos e mais cobiçados da nossa universidade" é pá o Zé tem tanta sorte de eu n ter lido isto antes de ir para Sevilha!

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