Cliquei no "send".
Estava contente com a carta. Tinha explicado bem os meus pontos e tinha justificado perfeitamente a minha indignação. Tudo isto sem nenhuma espécie de sentimento de raiva nem amargura. Fi-lo porque todos temos voz. Mas fi-lo principalmente pela função didáctica. Eu queria genuinamente que a jornalista e todo o resto da revista aprendessem alguma coisa naquele dia. Que é preciso pesquisar e investigar antes de redigir um artigo para uma revista que tem uma excelente reputação no mercado. Que é necessário ter sensibilidade linguística e social. Porque, afinal de contas, nunca sabemos quem nos está a ler.
Mais tarde vi que tinha resposta.
Abri o e-mail com um sorriso nervoso, como quem abre o e-mail do homem que nos roubou o coração.
Foi a própria directora da Elle que respondeu ao e-mail, falando em nome da jornalista, que se remeteu ao seu silêncio sepulcral, e de toda a equipa. No e-mail dizia o seguinte:
Olá Rafaela,
Um abraço,
Fátima Cotta
Li uma vez. Duas vezes. Três vezes.
Tentei desviar a atenção da palavra "descriminação" mal escrita e focar-me na mensagem. Foi difícil porque tenho uma certa aversão a erros ortográficos.
"Rafaela, não sejas picuinhas agora. Não te percas nos pormenores." - pensei para mim.
Quando o nervoso acalmou, veio a iluminação:
Eles não perceberam absolutamente nada do que escrevi na carta!
1 - Ignorou os dados concretos.
Disse que ia ler com redobrada atenção o que tinha escrito, como se os meus comentários fossem passíveis de uma "opinião" ou aprovação por parte de alguém. Não, eram todos factos perfeitamente concretos: a Robin Givhan, autora do artigo original, é uma mulher (negra) e a jornalista escreveu - duas vezes - que era um homem; mulher de idade média é um erro de tradução de middle-aged woman; e a palavra "preto" não deve ser escrita em contexto jornalístico. Tão simples quanto isto.
2 - Referiu o conceito de discriminação racial.
No e-mail que escrevi, em parte alguma, refiro ou acuso a ELLE de praticar qualquer tipo de discriminação. Acredito sinceramente que não foi o caso. Mas acuso a ELLE de falta de profissionalismo na redacção deste artigo: utilização de vocabulário indevido, falta de investigação e tradução de má qualidade. Foram estes os três pontos que foquei e que são inegáveis.
Sendo uma pessoa que não sabe alimentar discussões (nunca poderia ser advogada, porque nunca tenho boas respostas na ponta da língua), demorei uma semana para sentir vontade e inspiração para escrever esta carta, vejam bem. Mas respondi ao e-mail da Sra. Directora dois minutos depois.
Em apenas quatro linhas agradeci a sua resposta e atenção, mas fiz questão de explicitar que não se trata de uma questão de discriminação, que não fora essa a minha intenção. Apenas a de chamar a atenção para a forma como aquele artigo em particular foi publicado.
No geral fiquei feliz. Porque é bom saber que vozes de burro de vez em quando chegam ao céu.
Nota Especial:
Nos últimos dias houve um verdadeiro forrobodó no Facebook à conta deste e-mail (graças às meninas Elite e Mónica Lice do blog Mini-Saia que gentilmente publicaram o link ao meu post nos seus perfis). Embora a maior parte das mensagens tenham sido de apoio - como se de uma guerra se tratasse - houve algumas pessoas para quem isto foi um não-assunto. Não as condeno. Esta guerra não é delas.
Boicote à revista Elle. O melhor é mesmo comprar as estrangeiras. Continuo a achar que as revistas verdadeiramente portuguesas, como a Activa ou Lux Woman, servem perfeitamente para o mercado interno. Saudades da Marie Claire, essa sim uma belíssima revista feminina...
ResponderEliminarOMG!!! Como é possível que a directora de uma revista dê um erro desses?
ResponderEliminarPosto isto, é fácil perceber porque não percebeu a tua carta. Problemas de compreensão e interpretação. Aqueles exercícios que se fazem no ensino secundário. Ela deve ter feito o curso na mesma escola do Sócrate e os tradutores da Elle também!
Admiro a sua intervenção perante a vergonha do artigo.
ResponderEliminarFiquei a conhecer esta senhora "Fátim Cotta" através do nosso Project Runway.... e acho lamentável que tenhamos uma pessoa ignorante, ridiculamente "bemzoca" (há outras com bastante classe), autoritária e incompetente nas suas avaliações de... outrém e com terríveis erros de linguagem para estar, seja à frente de um programa, seja à frente de uma revista tão prestigiada como a Elle.
Não esperava outra coisa como resposta, correspondeu perfeitamente ao "flop" que é.
As minhas condolências q uem tiver esta senhora na sua hierarquia superior... Deve ser uma falta de inspiração e algo extremamente castrador.
Pessoas nestes cargos deviam ser uma exemplo e uma inspiração...!
(desculpem o desbafo, mas é a minha honesta opinião)
Primeiro de tudo gostaria de louvar o seu e-mail extremamente bem redigido, com o qual concordei na sua plenitude.
ResponderEliminarEu não sou negro, e no entanto também me senti ofendido com a triste tradução daquele artigo. Lamento que ainda se pense que é preciso ser negro(a) para sentir ofensa à palavra "preto".
Mas mais crasso é perceber pela resposta da Fátima Cotta de que she missed the whole point. Which leads me to believe that she is either naive or dumb as a door knob.
Um erro destes nos EUA, seria impensável. E se acontecesse, a leitora provavelmente receberia uma lifetime subscription da ELLE grátis, com uma nota publicamente a pedir desculpas a todos aqueles ofendidos pelo artigo.
Mas infelizmente em Portugal, o nosso politically correct ainda não está assim tão afinado. E que a verdade seja dita, a revista ELLE não é propriamente the pick of the litter, no que diz respeito ao jornalismo.
Enfim, acho importante travarmos estas pequenas batalhas. A próxima tradução que for feita certamente irão ter um pouco mais de rigor.
Cumprimentos!
É quase inacreditável a resposta da ELLE.
ResponderEliminarParece trecho de livro, filme, realmente uma decepção!