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Primeiras sensações de um emigrante

4.10.10

Estás na fila do check-in.
Olhas para os outros passageiros e sorris. Uma onda de orgulho e alguma superioridade invade-te. Não vais de férias, nem tiraste um fim-de-semana prolongado. Vais, sim, obedecer ao que a canção do cabeleireiro dizia e vais mudar de vida. 
Depois de alguma negociação com o pessoal de terra, finalmente consegues despachar a mala. Os 20 kg de limite, de repente, revelaram-se insuficientes. Na mala colocaste apenas aquilo que consideravas "estritamente necessário". Levaste 5 livros, porque não querias que o teu quarto estivesse vazio de arte. Levaste a tua máquina fotográfica, os dois telemóveis e respectivos carregadores. O portátil. A lingerie preferida, porque isto nunca se sabe. Levaste roupa fresca pois o Verão não se despediu ainda, mas também roupa quente porque daqui a um mês já o Inverno terá assentado os seus arrais por toda a Europa. Enfiaste atabalhoadamente os sonhos lá dentro também. Mas esses não pesam. E ainda bem, porque são imensos.  Levaste tudo o que é importante na tua vida com o qual conseguirias sobreviver um ano. Porque não sabes quando vais regressar à tua casa.
Dou-te uma novidade: neste momento, deixaste de ter casa. Quando arrumas uma vida, despedes-te dos amigos e vais trabalhar e viver para outra cidade, deixas oficialmente de ter uma casa. O sítio para onde vais torna-se a tua nova casa. E esta leviandade emocional - como alguns lhe chamam - vai salvar-te a vida. Porque pensar que a tua nova cidade é a tua casa é meio caminho andado para a integração.
Entras no avião.
Sentas-te à janela para veres a tua terra pela última vez. Tens a cabeça cheia de ideias, resoluções e planos. Ir para um novo país é como nascer novamente. Terás de iniciar um novo trabalho, fazer novos amigos, eventualmente aprender uma nova língua. Ali ninguém te conhece. Ninguém sabe do teu passado, ninguém te profetiza o futuro. É o presente que conta e é esse que vais agarrar pela mão.

8 comentários:

  1. E voltas a acreditar que podes mudar o mundo aos 30 anos. Até porque de uma certa forma renasceste.

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  2. @Mãe, perfeito. Exactamente isso. Obrigada.

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  3. regressar é a mesma coisa
    sinto me estrangeira aqui e na minha terra

    ... rafa che botta questo post!

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  4. Este texto é algo para lá de perfeito! Tem delicadeza, sorrisos e sonhos em cada fôlego, em cada ideia, em cada frase.

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  5. @Viz, non sono abituata ai tuoi complimenti. Comunque so' che riesci a capire bene questo post. Ti abbraccio.

    @Tina, amiga a sério? Gostaste? Tinha feito uma sesta e levantei-me para escrever isto. ;) Um beijo e obrigada.

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  6. rafa, gostava comentar mais, mas a maioria das vezes leio-te do trabalho e não posso deixar comentãrios (parece o prison break!!!)

    sabes que gosto imenso de ti :D
    beijo grande

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  7. Só tenho a dizer:

    :) .... ao fim de dois dias de lágrimas, que temo que hão-de durar até ao dia em que me for embora e que, provavelmente, continuarão depois de lá estar...ou não.


    [Muito bom texto, Rafinha, muito bom mesmo; estás excelentemente preparada para esse grande curso de escrita criativa. Vais brilhar e irradiar sabedoria!!!!] :)

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