menu-topo

O dia em que uma desvitalização decidiu a minha vida

16.12.14
Sou uma moça saudável. Podia ter uns tornozelos mais estáveis, podia ter uns quilinhos a menos, podia ter uma visão melhor, mas no geral sou uma pessoa saudável: colesterol e glicemia nos valores certos, análises sempre bonitas e direitinhas, boa flexibilidade, força, tensão arterial perfeita. Por isso, a ideia de ir viajar pelo mundo e não ter um médico à mão não era coisa que me assustasse à partida. Assim como assim, nos últimos dois anos fui ao otorrino umas 28 vezes por estar sempre constipada mas descobri - durante esta viagem - que era a minha casa da Mouraria que me estava a matar (oi, humidade).
Ora, partindo do princípio que não ando bêbeda em Nova Iorque de stilettos, estou mais ou menos safa dos entorses (curiosamente, estou sempre de rasos quando torço o pé, mas adiante) e a vida corria bem.

Ainda não vos tinha contado, mas na última semana - devido a alguns percalços (vamos a eles mais tarde, prometo) - tenho pensado em ficar mais três meses em Nova Iorque. O mesmo raciocínio foi feito no final do meu segundo mês no Brasil: comecei a pensar que precisava de fazer e de viver tanta coisa (como ganhar uma das melhores amigas que tenho), que tinha ainda tantas pessoas para conhecer (como o Djavan, que acabei por abraçar na vida real e com quem troquei algumas palavras), aventuras (como a de gravar um videoclipe com a Isa e que estará no Youtube para o resto da vida) e viajar um bocado (Bahia, São Paulo, Maranhão, Ceará)... todas estas coisas inesquecíveis aconteceram nos 3 meses adicionais que vivi no Rio. E comecei a sentir esse mesmo nó no estômago aqui em Nova Iorque. 

No entanto, para eu poder ficar mais 3 meses, teria de obter um visto de estudante. Para tal, tinha de escolher um curso, verificar se a escola é acreditada, eventualmente pedir um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos (o que eu queria fazer custava 3500 dólares, são trocos de que não disponho), pedir aprovação do visto (que podia sempre ser recusado), encontrar uma nova casa e mudar-me, mudar o voo de regresso pela TAP e pagar cerca de 400-500 euros, faltar ao aniversário da minha mãe agora em Janeiro... Enfim, haveria muito por onde escolher, por onde stressar... E tudo isto porquê? Porque a menina Rafa acha que não aproveitou ainda o suficiente e que só agora é que começou a diversão.

Há dois dias começou a doer-me um dente. Pois. Sou uma pessoa saudável, mantenho uma rotina dentária saudável e com visitas ao dentista duas vezes por ano e nunca me doeu um dente na vida. Nos primeiros dias andei a tapar o sol com os analgésicos. E fintei a dor com algum êxito. Ontem acordei com uma dor insuportável e decidi que tinha mesmo de ir ao dentista. Ora, dentista sem seguro nos Estados Unidos, amiguinhos, é para esquecer. PARA ESQUECER. Encontrei na Internet que a NYU tinha um departamento de medicina dentária em que os estudantes atendem os pacientes, devidamente observados pelos professores e que era um serviço low-cost. Existe o mesmo em Lisboa, achei que poderia ser uma boa opção e lá fui eu para Manhattan em busca de boas notícias.

Ora, depois de pagar 75 dólares, que era o preço base da consulta, e de uma espera razoável, sou atendida. Antes de iniciarmos o tratamento, peço-lhe que me observe e me diga em quanto vai ficar, que é só para não ter más surpresas. E em boa hora o fiz. Então diz-me ela que tenho uma cárie debaixo de uma restauração num dente pré-molar. Sendo que o nervo estava morto, era necessário fazer uma desvitalização e pôr uma coroa. Tratamento que ficaria na módica quantia de 1560 dólares. You can't make this stuff up. Salta-me uma lágrima grossa. Se analisássemos essa lágrima à lupa, ela tinha um balão de fala em que dizia "Seus filhos da puta, não tenho esse dinheiro. E em Portugal uma merda de uma desvitalização não custa mais de 100 euros, seus cabrões de merda!".

Ela disse-me que seria possível fazer a primeira parte da desvitalização, que me faria passar a dor, mas que no prazo de poucas semanas teria de terminar o trabalho (tratar a raiz do dente). Esta primeira parte custava 110 dólares. Saí por uns momentos, escrevi a um amigo dentista, que me explicou logo o que se passava (sim, eu não fazia ideia de que "root canal" era "desvitalização") e me escreveu uma mensagem num inglês técnico brilhante, para que eu passasse à jovem dentista com "instruções" sobre os passos a seguir, dizendo que assim que eu regressasse ele trataria da segunda parte do procedimento. A sério, quão extraordinário tem de se ser para ter um gesto destes? (Obrigada, Pedro Laranjeira!) Fiz (a primeira parte d)o tratamento e estou 185 dólares mais pobre.

Ontem, segunda-feira, o meu regresso a Portugal no dia 6 de Janeiro ficou confirmado. Tenho três semanas pela frente, mas depois regresso a casa. Afinal enganei-me: home is where my dentist is.

6 comentários:

  1. Que balúrdio! Realmente, nós podemos queixar-nos do nosso sistema de saúde, que está longe de estar perfeito, mas no meio disto tudo ainda deve ser dos melhorzinhos. Em Singapura, para tratar também de um dente, o meu irmão gastou o plafond todo do seguro! É inacreditável... Quem sabe um dia ainda voltas a NY e continuas o que deixaste em stand-by, não hão de faltar oportunidades :)

    ResponderEliminar
  2. Como te percebo. Sempre que fui ao médico na Suiça, foi bem pior do que em Portugal.

    ResponderEliminar
  3. Que pena Rafa :( Mas lembra-te: bad things happen for a fu**ng good reason. S.E.M.P.R.E. Mega beijoca!

    ResponderEliminar

AddThis