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Nova Iorque - a cidade em que todos sabem para onde vão

14.1.15


A sensação que eu tinha, de que consigo fazer isto, que sou uma pessoa com coragem, está agora - a 20 minutos da aterragem - a ser substituída por uma ansiedade inexplicável. Como assim, morar em Nova Iorque? Numa cidade onde não falam a minha língua, onde não vou estar amparada por uma empresa ou comunidade específica, onde não tenho amigos ou parentes, onde o custo de vida é dez vezes superior ao de Lisboa, onde não sei onde comprar fruta ou alface. Tipo... o que me vai acontecer? Estou a 5525 km, diz-me o monitor nas costas do banco da frente. E se alguma coisa me acontece?

Este pequeno parágrafo foi escrito por mim no avião no momento em que a hospedeira disse «Atenção, senhores passageiros! Por favor, apertem os cintos de segurança. Vamos preparar a nossa descida.» A minha letra está longe de ser bonita ou legível (já foi, já foi), por isso transcrevi-vos o meu desabafo na íntegra, tal qual como saiu das minhas mãos trémulas. Sim, trémulas. Eu estava nervosa, a hiperventilar, naquela sexta-feira, dia 10 de Outubro. Não sabia o que me esperava e estava longe de imaginar que em três meses tanta coisa iria mudar.

Todas as pessoas que já visitaram Nova Iorque não conseguem evitar ter um fascínio por aquela cidade. Faz parte do nosso imaginário colectivo desde sempre, é a cidade da cultura pop e, a menos que falemos dos anti-americanos, não há muita gente que não gostasse de ir lá dar uma voltinha. Bem melhor do que o bilhar grande. E também não há muita gente que tenha ido e que tenha regressado desapontado. Simplesmente porque Nova Iorque corresponde às expectativas, aos estereótipos e iguala a imagem que criámos na nossa cabeça. Eu já tinha ido de férias em 2008 e foi um sonho tornado realidade. Mas tenhamos presente desde já a seguinte consideração: ir de férias é bem diferente do que morar lá. Pagar uma renda, conciliar as despesas de uma vida boémia que se quer obrigatoriamente fazer (os 20% obrigatórios das gorjetas levam uma pessoa à falência em três tempos) com os custos de vida normais, descobrir um hobby, aprender a andar a pé e usar os transportes de modo eficaz, conseguir estabelecer uma rotina de trabalho, conhecer pessoas que vão com a nossa cara para podermos ter uma vida social. São muitas «tarefas» a riscar na nossa lista e muita pressão para conseguirmos assegurá-las todas.

Em Nova Iorque, as pessoas andam depressa. Quem anda devagar é o turista deslumbrado ou alguém do Minnesota - ou de Portimão - que acabou de se mudar para ali. Os nova-iorquinos são simpáticos - mais simpáticos do que os lisboetas - mas falam e caminham com determinação. E não abrandam por dá cá aquela palha. Somos obrigados a entrar no ritmo deles. A deixar o fraseado do «Excuse me sir, I'm sorry to bother you, but would you mind...?» e substituí-lo com um rápido «Hi, where is xxx?». Esforcei-me para pôr a primeira - e aqui está a grande desvantagem de não ter carta de condução, porque nem sequer sei se estou a fazer uma metáfora bem feita com as mudanças de um automóvel... será que «a primeira» é aquela que faz o carro acelerar ou é «a quinta»? Bem, vou seguir o meu instinto, mantenho «a primeira» - e entrar naquele ritmo desenfreado. O meu inglês solavancava nos primeiros tempos, mas rapidamente entrou num nível bastante aceitável. 

A primeira regra para sobreviver em Nova Iorque, ou na vida em geral, vá, é essa mesmo: saber para onde ir. Eu passei os primeiros dias a tentar encontrar um espaço de cowork, a tentar estabelecer uma parceria de intercâmbio em nome do CoworkLisboa, a minha casa-mãe, mas os esforços foram em vão. Eles não foram cá em cantigas de parcerias ou trocas de coworkers e eu, como tenho pouco talento para pedinchar persistir, acabei por desistir ao quinto não. Pensei que se me cingisse às dezenas, talvez centenas, de coffee shops com wifi da cidade, os também chamados coffices, conseguiria manter a produtividade e trabalhar nos meus projectos profissionais.

Se no Brasil eu pertenci a um espaço de cowork, o Templo, onde tive a oportunidade de fazer amizades e conhecer algumas das mentes mais brilhantes do Rio de Janeiro, em Nova Iorque toda a minha vida social e de comunidade estava dependente do mero acaso: pessoas que eu conhecia aleatoriamente na rua, em cafés, em casas-de-banho de restaurantes, no metro ou ao chocar com alguém ao virar de uma esquina. Pagar um espaço de cowork estava fora das minhas possibilidades - a média de uma mensalidade de uma mesa num cowork em Nova Iorque é 500-600 dólares - e as minhas únicas hipóteses eram os cafés, a Biblioteca Pública - New York Public Library - que tem várias salas com wifi, mas que, naturalmente, temos de estar em silêncio o dia todo e há pouca interacção com a pessoa do lado. 

Este foi o principal motivo para eu nunca me ter sentido em casa ou pertencente à teia social de Nova Iorque. Eu, defensora do fenómeno de coworking como factor obrigatório para a sanidade mental enquanto trabalhadora freelancer, vi-me privada de uma alavanca fundamental para conhecer pessoas. Andar à deriva pode ser bom em algumas circunstâncias. Mas quando andamos à deriva e todos à nossa volta sabem para onde vão, e vão depressa, é muito fácil sermos engolidos. Nova Iorque foi uma anaconda e eu entrei direitinha no estômago dela.


Como Nova Iorque mudou a minha vida para todo o sempre - Parte 1

Percebi que a rotina é uma coisa importante para o meu equilíbrio. Rotina não significa ir sempre aos mesmos sítios, comer sempre a mesma coisa e fazer amor sempre na mesma posição. A rotina é um conjunto de hábitos - que podem ser diversos entre si - que nos permitem estar confortáveis na nossa pele. É importante criarmos um dia-a-dia em que sabemos para onde ir. Ter um GPS e não ter um endereço de destino não serve para nada, pois não? Pronto.



9 comentários:

  1. Adorei o teu texto Rafaela! É bom ouvir as pessoas falarem abertamente sobre os mitos que se criam em histórias e filmes. Há coisas boas, também as há más. Em tudo. Se eu nunca tive uma aventura de viagem como a tua e admiro a tua coragem em tudo o que fazes admiro ainda mais as tuas palavras neste post. É que elas não se aplicam apenas à aventura de viver num país estranho, aplicam-se a outras aventuras como ser mãe, mudar de trabalho, perder pessoas, etc, etc. Fico ansiosa à espera das outras!

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  2. (Para andar rápido é a quinta, Rafaela. Mas o que é que isso importa quando se escreve tão bem? Já tínhamos saudades tuas. Volta sempre que tiveres ânimo!)

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  3. (E sim, és uma corajosa do caraças! Nunca te olvides disso)

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  4. Solidão na multidão.
    Fizeste-me recordar os meus primeiros tempos em Lisboa, sozinha, quando cá cheguei, vinda de Bragança.
    18 anos tímida e sem nunca ter visto o mundo, com um ideal que não correspondeu.
    Claro que não se compara, a língua era a mesma, a dimensão era outra, mas foi uma sensação semelhante. "E se algo me acontece?..." Também era uma questão que me colocava.

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  5. Gostaria de dizer tanta coisa. De partilhar tanta coisa. De concordar com tanta coisa. De como as expectativas dos outros em relação a supostas grandes viagens por vezes nos atingem. As pessoas pensam que é impossivel ser infeliz em Paris ou Nova Iorque porque fazem parte de um imaginario feliz/ activo/ romantico. But then you live things. Obrigada por partilhares, com honestidade, a tua experiência. Hoje as pessoas só apresentam vidas perfeitas de cartão postal. Heart you! J.

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  6. Provavelmente terias sido mais feliz numa outra cidade. Imagino-te feliz em Miami, por exemplo. A mim bastou-me uma viagem para perceber que nunca conseguiria viver nos States.

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  7. Uma partilha muito interessante, e uma experiência que bem compreendo!
    Parabéns e muitas felicidades! <3 <3
    Beijinho

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  8. Olá Rafaela! Acabei de ler a tua entrevista no Rainy London Translations :)
    Também sou tradutora e fiquei curiosa sobre o Pomodoro: quantos minutos fazes de pausa? Controlas normalmente com um relógio ou usas alguma aplicação?
    Obrigada e beijinhos

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  9. tanta experiência que deves andar a ganhar, maravilhaaaa

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